Já comentei por aqui que comecei a correr movido pela vontade de participar de provas como os 10km da Tribuna e a Corrida de São Silvestre (15km). Provas muito mais curtas do que uma maratona (42km). E quando me perguntavam se eu estava treinando para uma maratona, sempre respondia dizendo que era algo que estava além do meu alcance, que apenas em um sonho isso seria possível. Mas o tempo foi passando, fui correndo mais, participando de provas mais longas, de meia-maratonas, até que resolvi encarar o desafio. Veio então a apendicite e adiou meus planos em um ano. Mas tudo bem. Não esmoreci, voltei aos treinos, às corridas, e logo comecei um treinamento focado na maratona. No começo realmente parecia um sonho impossível. Mas aos poucos fui aumentando as distância, até que cheguei a correr 40km em 4h30min antes da prova, dia no qual estava certo de que conseguiria terminar. A única preocupação seria a dor de garganta que tive duas semanas antes. Mas novamente tudo bem, também tive amigdalite antes da minha primeira prova de 10km e deu tudo certo.
A prova escolhida para a estreia foi a Maratona de São Paulo, por ser a mais próxima de mim. No entanto uma inesperada mudança de data de abril para outubro acabou me fazendo desistir desta corrida. Optei então pela Maratona do Rio, a mais antiga do Brasil, disputada em meio a um feriado prolongado (para os paulistas). Aliás, não duvido que seja uma das maratonas mais bonitas do mundo, dado o percurso que atravessa as praias das Zonas Oeste e Sul da cidade do Rio de Janeiro.
Cheguei sábado, véspera da corrida, e já fui logo retirar o kit debaixo de um sol de rachar na hora do almoço. Estava realmente muito quente e eu já começava a me preocupar para a corrida. Afinal, eu havia treinado apenas em dias frios (cerca de 15°C a 20°C) enquanto a previsão para o dia seguinte era de 28°C. Após 1 hora de fila consegui meu kit. Achei muito bom. Além da camiseta oficial da prova (regata laranja), vinham também no kit: uma mochila, um boné, uma viseira, uma garrafa "squeeze", além de outros brindes dos patrocinadores. Outra coisa que gostei foi o logo da prova: um atleta cruzando a linha de chegada com os braços abertos fazendo uma alusão ao Cristo Redentor e a fita da linha de chegada rasgando e assumindo o formato do Pão-de-Açúcar. Simplesmente genial.
No dia seguinte acordei cedo para pegar o ônibus e tive todo o cuidado com a preparação. Não esqueci nada, desde o tênis com o chip da corrida, passando pela camisa predileta com o número do peito, chegando aos cardoidratos em gel (um total de 4 para esta corrida), o boné, o lanche do café-da-manhã e a passagem do ônibus. Durante a fila para pegar o ônibus pude perceber a
Veio então a tão ansiosa largada pontualmente às 7h30min da manhã na Praça do Pontal Tim Maia na praia do Recreio. Uma praia muito bonita, mas muito longe de qualquer lugar. Aliás, a urbanização do local lembrava mais um balneário turístico com seus prédios baixos e ruas estreitas do que uma cidade grande como o Rio de Janeiro. O termômetro na praça marcava 22°C no instante da largada. A ansiedade era grande e ao cruzar o pórtico de largada fiquei preocupado pois sabia que o calor seria intenso e a prova seria muito mais difícil que meus treinos mais longos. Pela primeira vez tive a sensação de que poderia não terminar uma corrida. Uma vez soada a sirene, os cerca de 6 mil atletas inscritos para a prova começaram. Sei que um de meus maiores defeitos é querer sair muito forte na largada, e com isso me desgasto muito fazendo ultrapassagens devido ao volume de gente. Ciente de que esta prova seria de tiro longo (e põe longo nisso) mantive a calma e a serenidade de me manter atrás de outros corredores e esperar a dispersão naturalmente.
Os primeiros 3 quilômetros foram disputados em ruas internas do bairro do Recreio. Chegamos a cruzar com os líderes que já voltavam por uma rua pela qual ainda estávamos indo e pude ver dois brasileiros liderando. Era um pouco abafado por essas ruas, mesmo sendo tão cedo. Felizmente, quando chegamos novamente à praia fomos refrescados pela brisa marítima que nos acompanhou a partir de então. Logo o grupo foi dispersando. Peguei água já no primeiro posto no km3 mesmo sem estar com sede, apenas para refrescar. No km5 a primeira surpresa: não tinha posto de distribuição de Gatorade (eles estariam presentes em todos os quilômetros múltiplos de 5). Consumi meu primeiro gel no posto de água do km8 e passei a barreira do km10 com 1h01min de corrida. Ainda não fazia calor, mas sempre que aparecia uma sombra devido a árvores ou aos prédios eu aproveitava. Logo veio a praia da Barra, mais com cara de Rio e com seus prédios altos. Consumi Gatorade nos 3 postos presentes (km10, 15 e 20) e o segundo gel no posto de água do km17.
Eu estava me sentindo bem. Passamos pelo pórtico da largada da meia, que também marcava a metade da nossa corrida, com 2h14min de prova. Sabia que essa era a metade do tempo que eu estava prevendo (4h30min) e que como a segunda metade da prova seria mais desgastante eu não conseguiria esse tempo. Paciência, o objetivo era apenas terminar mesmo. Logo após esse ponto a corrida saiu da Barra da Tijuca e seguiu por um túnel com uma inclinação muito forte. Iluminação praticamente nula, dava apenas para ver a luz no fim dele. Fazia muito barulho, acho que dos carros que passavam do outro lado e dos próprios corredores que resolveram gritar nessa hora. Senti falta de ar e tontura. Diminuí o ritmo e acabei caminhando pela primeira vez. Era o km23. Comecei a me preocupar pois ainda faltava muita corrida pela frente. Mas logo a parte inclinada terminou, no mesmo instante em que uma abertura se fez na lateral do túnel permitindo que se avistassem o céu e o mar azul. Lembrei do recado de um amigo maratonista dizendo que eu estava muito bem treinado e deveria aproveitar a vista desta prova porque era espetacular. E de fato, esse momento inspirador me fez recuperar o bom ritmo.
Ritmo bom que mantive na praia de São Conrado. Consumi mais um gel no km25 e peguei mais Gatorade. Eu realmente não conhecia aquela praia, mas gostei bastante dela. O Sol já se fazia forte e logo cheguei ao fim desta praia, onde começava um dos trechos mais difíceis da prova: a Avenida Niemeyer. Trata-se de uma pequena estrada ligando as praias de São Conrado e Leblon. O caminho seguia do lado da pedra, o que nos garantia uma deliciosa sombra. Mas era uma subida. Não muito íngreme, porém interminável. Não dava pra entender como era possível subir tanto. Pouco após passar pelo km28 um amigo meu me ultrapassou e perguntou se eu estava bem. Aquela subida realmente estava me cansando e meu ritmo estava mais fraco, mas eu seguia correndo. Logo na descida, ao final desta Avenida, passei por um corredor desmaiado que era acudido por outras pessoas. Agradeci por não estar no lugar dele e logo terminei a descida e cheguei ao Leblon.
Eis aqui o ponto-chave da minha corrida. Dizem que o ponto mais difícil da maratona é entre o km32 e o km36; pois é quando nosso corpo já consumiu todo o carboidrato que consegue armazenar e passa a consumir proteínas. E é nessa hora que começam a aparecer as dores. Durante meus treinos longos eu percebia que começava a "pifar" nessa faixa e sabia que é nesse momento que o psicológico fala mais alto que o físico. Aliás, que fique bem claro: a maratona é um desafio muito mais psicológico do que físico. No entanto, mesmo ciente de tudo isso, "quebrei" no km31. Devido ao forte calor (os termômetros no Leblon marcavam 30°C) e à falta de Gatorade (não vi posto de distribuição no km30) eu comecei a caminhar pois sentia dor. Muita dor. Meus órgãos internos estavam doendo. Achei que se continuasse poderia acabar desmaiando que nem o atleta que vi na subida da Niemeyer. Levei a mão ao tronco para tocar os lugares onde sentia dor. Fiz até sinal para um fotógrafo de corridas para que não registrasse aquele meu momento de sofrimento. Era ainda o km31, ou seja, faltavam 11 para terminar. Mas 11km é muito chão, não vou conseguir chegar me arrastando desse jeito. Pensei seriamente em desistir. Pegar um táxi ali na praia e voltar direto para o hotel seria muito fácil. Não, eu não treinei o ano inteiro para chegar até aqui e desistir. Como disse certa vez o Lance Armstrong: "a dor é temporária, desistir é para sempre". Em meio a estes pensamentos, ouvi vozes do público gritando incentivos como "Vai lá! Não desiste! Continua!". Olhei ao redor e não vi mais ninguém caminhando com dor que nem eu. Percebi então que aqueles incentivos eram para mim. E vindos de pessoas que eu nunca havia visto na vida. Porque eles estavam lá me incentivando, torcendo por mim? Nessa hora lembrei de minha família, minha namorada e meus amigos que com certeza também estavam torcendo por mim aonde quer que estivessem. Eu simplesmente não podia dizer para eles que havia desistido da corrida. Nesse momento avistei a placa do km32 junto com um posto de água. Respirei fundo e falei em voz alta: "Vamos lá!" E continuei a correr. Pude até ouvir gente comemorando.
Claro que meu ritmo a partir de então foi muito fraco. Eu estava fazendo em torno de 8min/km. Percebi que o grande problema era a desidratação. Quando avistava um posto de água eu me recuperava na hora, mas logo que sentia sede começava a quebrar e tinha que caminhar um pouco. Se o Galvão Bueno estivesse narrando minha epopeia, com certeza nessa hora ele diria: "A corrida se torna DRA-MÁ-TI-CA!" Cada quilômetro que eu superava era uma comemoração. Na quadra que liga Ipanema a Copacabana um corredor que também já estava exausto falou comigo. Também era sua primeira maratona, e ele também reclamava das dores. Mas seguia firme. Não continuei acompanhando-o pois ele estava em um ritmo mais forte que o meu. Ao passar pelo km37, já em Copacabana, eu completava as 4h30min que havia me proposto a fazer. E ainda faltava muito chão. Liguei para minha namorada para avisar que ainda ia demorar. E continuei em frente. Passei pelo km38: Falta menos do que os treinos mais curtos que costumo fazer durante a semana. Falta pouco agora! Cruzei o km39 no instante que fiz uma curva saindo de Copacabana e indo em direção ao fim da prova.
Abri minha água ao cruzar o km41. Era o último quilômetro, mas ainda não era possível ver a linha de chegada devido à grande curva que liga o Botafogo ao Aterro do Flamengo. Os fiscais da prova que por ali estavam avisavam que quando terminasse a curva já seria possível ver a linha de chegada. E quem disse que a curva terminava? Faltava menos de um quilômetro, mas aquela curva parecia ter uns 5. Foi então que ela terminou e avistei a placa com o km42. E logo à frente, mais precisamente 195 metros à frente, o pórtico com a chegada. Pouco após passar pela placa, quando já devia estar a uns 150 metros da chegada, ouvi meu nome. Olhei para o lado e vi minha namorada com um casal de amigos que moram no Rio e que foram ver minha chegada. Vibrei para eles e arranjei mais algumas energias para acelerar e finalmente cruzar a linha de chegada.
Fica aí portanto a foto da medalha da maratona. Não é a mais bonita da minha coleção, mas sem sombras de dúvidas foi a mais difícil de ser conquistada. O que faz com que ela tenha um gostinho muito especial. Pode ter certeza que vou guardá-la com o mesmo carinho com o qual espero lembrar-me dessa corrida por muitos e muitos anos. Obrigado a todos que me incentivaram, ajudaram e torceram por mim nesse dia (inclusive aos desconhecidos do Leblon). Essa medalha não teria sido possível sem vocês.