Curiosamente, eu nunca havia comparecido para acompanhar ao vivo nenhuma corrida de rua. Apenas para participar. E na Olimpíada acontece aquela que é talvez a mais importante das corridas: a maratona olímpica. Decidi então que iria assistir a essa corrida ao vivo. Até mesmo porque a largada e a chegada seriam na Marquês de Sapucaí, cartão-postal da cidade do Rio de Janeiro que eu nunca havia visitado.
Diz a lenda que na Antiguidade, logo após uma batalha travada na cidade de Maratona, localizada a cerca de 40km de Atenas, o mensageiro Fidípides foi enviado para Atenas para relatar a vitória dos atenienses. Ele correu sem parar o mais rápido que podia e ao chegar só teve forças para dizer "Vencemos!" antes de cair morto. Em homenagem a essa história, na primeira edição dos Jogos Olímpicos, em Atenas-1896, foi criada uma modalidade especial que seria a corrida entre as cidades de Maratona e Atenas. A essa corrida deu-se o nome de "maratona". Trata-se de uma das competições que esteve presente em todas as edições dos Jogos Olímpicos. A distância de 42,195km foi fixada nos Jogos de 1908, realizada em Londres, na qual os atletas fizeram um percurso entre o Castelo de Windsor e o Palácio de Buckingham, para que membros da família real pudessem assistir à largada e à chegada.
Dentre os momentos mais marcantes (que eu conheço) da história da maratona olímpica, destaco três. O primeiro foi nos Jogos de Helsinque-1952, quando o finlandês Emile Zatopek foi o campeão das provas dos 5.000m, 10.000m e da maratona na mesma edição. O segundo foi a trajetória do etíope Abebe Bikila, que correu descalço e ganhou a maratona em Roma-1960. Preocupados com o impacto que isso poderia ter nas vendas de seus tênis, algumas marcas fizeram lobby para proibir que atletas corressem descalços em Tóquio-1964. Bikila se viu obrigado a correr calçado, e com a corrida já ganha, a poucos metros da linha de chegada, ele tirou os tênis e completou a prova descalço. Tornou-se assim o primeiro bi-campeão olímpico de maratona (feito apenas igualado pelo alemão Waldemar Cierpinski em Montreal-1976 e Moscou-1980). Finalmente, a edição de Los Angeles-1984 ficou marcada por ser a primeira a ter uma prova feminina da maratona. E nessa corrida aconteceu um dos episódios mais marcantes da história olímpica. A suíça Gabriela Andersen-Schiess entrou se arrastando no estádio olímpico, recusou-se a receber qualquer tipo de ajuda para não ser desclassificada, e cruzou a linha de chegada com o simples objetivo de completar a prova, visto que já estava fora da briga pelas medalhas. Esse é uma das fotos mais emblemáticas dos Jogos Olímpicos.
Bom, e quanto à Rio-2016? Como já deixei bem explícito, escolhi a maratona olímpica como uma das competições de maior interesse para acompanhar ao vivo. O primeiro lote de ingressos disponibilizado para o público foi no esquema de sorteio. Você entrava no site, selecionava os seus eventos de interesse e após o período de inscrição te informavam se você havia sido ou não sorteado. Acho que a maratona não atraiu tanto assim o interesse, de modo que foi a única competição que consegui ser sorteado nesse primeiro lote. Depois ainda consegui ingressos para outros eventos, mas fiquei feliz de ter conseguido esse logo na primeira oportunidade.
O dia amanheceu nublado e com leve chuva. Felizmente eu já saí equipado com capa de chuva para acompanhar o evento. E claro, para entrar no clima fui acompanhar o evento vestindo a camiseta do kit da corrida da Maratona de São Paulo e o boné do kit da Maratona do Rio. Cheguei cedo, a tempo de pegar a largada, a qual pude acompanhar da arquibancada. Não eram muitos atletas participando, e pra ser bem sincero, eu não conhecia nenhum dos principais favoritos. A única coisa marcante sobre a corrida que eu sabia é que ali seria a despedida do Marílson Gomes dos Santos, maratonista brasileiro que ganhou duas vezes a Maratona de Nova Iorque, nas edições de 2006 e 2008, e três vezes a São Silvestre, em 2003, 2005 e 2010. Chegou em quinto lugar na maratona olímpica de Londres-2012 e veio se despedir no Rio. Sem grandes chances de medalha, mas ainda assim contava com minha torcida e era um fato marcante para a corrida.
Após a largada ocorreu o desfile de uma escola de samba ali na Sapucaí para entreter o público presente. E era possível ao mesmo tempo acompanhar a corrida através dos telões. Achei uma corrida interessante, pois começou com o pelotão praticamente inteiro no mesmo ritmo, e aos poucos um ou outro atleta ia ficando pelo caminho e o pelotão ia diminuindo. O percurso era basicamente seguindo a orla de algumas praias da Zona Sul do Rio, com bastante gente acompanhando nas ruas. E já no final da prova, quando o percurso mudou para o centro antigo da cidade, passando pela região portuária que havia sido revitalizada, não havia mais pelotão: um corredor queniano havia se distanciado de todos os demais.Queria ter a noção da velocidade de um maratonista campeão olímpico, e por isso fiz questão de acompanhar a chegada do queniano ali de perto. Fiz um vídeo amador da passagem dele ali onde eu me encontrava na Sapucaí. Achei impressionante como o queniano apresentava um semblante absolutamente tranquilo e focado em sua corrida. Não era o Marílson, não era um brasileiro, mas estava claro que tratava-se de um verdadeiro campeão olímpico. E isso por si só já me deixava muito feliz. E não era uma percepção apenas minha. O comentário que eu mais escutava das outras pessoas à minha volta acompanhando o evento era exatamente o mesmo: todo mundo impressionado com o campeão que se apresentava para todos nós.
Já em casa, de noite, acompanhei a cerimônia de encerramento da Olimpíada, na qual é feita a entrega das medalhas da maratona. E então fiquei sabendo o nome do queniano: Eliud Kipchoge. E hoje, olhando para trás, vejo que nascia ali um novo ídolo para mim. Pois desde então passei a acompanhar a trajetória desse queniano maratonista e de seus feitos notáveis. Mas sobre esses feitos, talvez eu escreva em uma próxima oportunidade. Por enquanto, encerro esse post com a foto de Eliud Kipchoge cruzando a linha de chegada na Sapucaí e o encerramento da minha experiência com a maratona olímpica.