quarta-feira, 5 de março de 2025

Uma promessa de vida: São Silvestre 2024

Como escrevi no post de 2008, minha primeira participação na São Silvestre, correr esta prova era um sonho de criança. Naquela época, constatei que eu estava com 24 anos e era a 84a. edição da corrida. Logo, a aritmética básica indicava que a 100a. edição da São Silvestre ocorreria em 2024, quando então eu completaria 40 anos de idade. Prometi a mim mesmo, lá em 2008, que no que dependesse de mim, eu correria a 100a. edição da São Silvestre em 2024, aos meus 40 anos de idade. O tempo passou, muita coisa mudou na minha vida desde então. Terminei meu mestrado, fiz doutorado, cresci profissionalmente, casei, tive um filho. Criei este blog e fui registrando minhas corridas. Completei até 2 maratonas! Fiz minha parte! Mas quis o destino que a pandemia de COVID-19 cancelasse a prova em 2020, de tal modo que só me restou a opção de correr a 99a. edição da São Silvestre aos meus 40 anos de idade. 

E lá fui eu! Fiz a inscrição logo no primeiro dia lá pelos idos de Setembro. O site estava lotado, demorei um pouco para conseguir, mostrando que mesmo com 37500 vagas eu corria o risco de não conseguir me inscrever. Mas deu tudo certo. Tirei férias em outubro com a família e tive apenas 2 meses para treinar. Isso somado à loucura de todo final de ano de conseguir finalizar tudo. Considerando que eu corri uma meia maratona em abril, não teria com o que me preocupar em completar uma prova de 15k (apesar da altimetria bastante desafiadora da São Silvestre). Mas o ponto aqui era outro: em 2008 completei a prova em 1h34min. Ritmo portanto inferior a 10km/h. Em 2012 tentei melhorar o tempo, mas fui ainda pior: 1h36min. Desta vez eu não queria apenas terminar. Eu tinha sim uma meta de tempo, que era completar abaixo de 1h30min!

No dia 30 de Dezembro, véspera da corrida, fui para São Paulo para pegar meu kit. Ao contrário das outras edições que participei, nas quais a retirada se deu no Ginásio do Ibirapuera, desta vez foi na Bienal de São Paulo, no Parque do Ibirapuera. O kit em si foi bastante simples: apenas o número do peito com o chip, a camiseta e a sacola. Nada de brindes. Pelo contrário, estava ocorrendo uma exposição de corrida na Bienal, com vários stands de patrocinadores da prova vendendo seus produtos. Também era possível ver alguns painéis legais, mostrando o mapa com o percurso da corrida, ou a lista de inscritos na parede. Não demorei muito para encontrar meu nome lá! Embora eu nunca tenha corrido uma maratona "major", sei que esse tipo de painel é bastante comum nessas provas. Acredito que tenha servido de inspiração para a organização da São Silvestre.

Veio então a manhã do dia 31 de Dezembro. Devido às chuvas que ocorreram durante toda a semana anterior, o clima estava bastante ameno, com um belo sol e céu azul. Estava um dia lindo, perfeito para uma corrida. A largada seria apenas às 08:00 da manhã, mas cheguei na Av. Paulista um pouco depois das 06:00 para conseguir um bom lugar para a largada. Tomei essa decisão de chegar bem cedo devido à minha experiência com a prova de 2012, na qual cheguei quase que em cima da hora da largada e saí no meio de uma muvuca que praticamente me impossibilitou de conseguir encontrar um bom ritmo de prova. Naquela ocasião fiquei quase que o tempo todo me acotovelando para encontrar meu espaço. Bem ao contrário de 2008, quando a corrida ainda era de tarde e eu havia chegado com pouco mais de 1 hora de antecedência.

Outro ponto que foi um diferencial foi a largada em ondas. No ato da inscrição precisávamos identificar um pelotão de acordo com nossa estimativa de tempo. O primeiro pelotão era o azul, com pace abaixo de 5 min/km e largava junto com a elite. O meu era o segundo, o verde, com pace entre 5 e 6 min/km. E o último era o vermelho, com pace acima de 6 min/km. Até aí, eu já participei de inúmeras provas assim. O diferente dessa vez é que de fato as quadras da Paulista estavam completamente isoladas com grades de ferro. Os únicos acessos para a pista eram as ruas laterais, com os fiscais de prova deixando entrar apenas quem de fato estivesse no pelotão que largaria daquela quadra. Após a largada do pelotão azul, ficamos aguardando um pouco. Logo, os fiscais da prova formaram uma corrente humana dando os braços e começaram a nos escoltar pela quadra seguinte até o pórtico de largada. Fomos liberados para a largada cerca de 15 minutos após o primeiro pelotão. Por um lado eu estava impaciente, doido para correr. Mas por outro, como bem disse um sábio corredor ao meu lado, isso era bom pois garantiria a dispersão do primeiro pelotão.

E de fato, na hora que foi dada a largada para o meu pelotão, consegui começar a correr e impor meu ritmo desde o começo. Algo que eu não havia conseguido nem mesmo na edição de 2008. A foto ao lado foi tirada logo após o término da Paulista, no acesso para a Av. Doutor Arnaldo. Durante alguns anos morei ali perto e passar pelo local me fez lembrar de uma lanchonete que eu costumava frequentar por ali. Não posso esconder que fiquei feliz ao constatar que a lanchonete continuava ali, no mesmo lugar de sempre, conforme eu esperava. Logo pegamos a descida bastante íngreme (e portanto perigosa) da Av. Major Natanael e contornamos o Estádio do Pacaembú. Nesse momento duas coisas interessantes aconteceram. A primeira e mais óbvia é que a proximidade de um estádio de futebol fez com que muitos corredores começassem a exibir suas preferências futebolísticas gritando os nomes dos seus times do coração. E a segunda é que mais ou menos por ali alcançamos o km2 da prova, e logo alcancei alguns "retardatários": pessoas caminhando, muitas delas com fantasias. Comecei a reparar no número do peito e haviam largado no pelotão anterior! Logo comecei a temer por pegar "trânsito" à frente. Afinal, aquele povo definitivamente se inscreveu no pelotão errado. Podem ter se confundido na hora da inscrição, ou nem reparado nesse ponto, ou então se inscreveram junto com algum amigo que queria fazer tempo e decidiram por largarem juntos. Enfim, os motivos podem ser os mais variados, mas fato é que esse é o tipo de coisa que atrapalha a vida de quem se inscreveu no pelotão certo. Ainda assim, dos males o menor: de fato os 15 minutos entre os pelotões funcionou e garantiu uma boa dispersão, de modo que lá pelo km4 a minha sensação é que não havia mais problema algum com os "retardatários".

Cruzei o km5 com 26 minutos de prova. Um tempo excelente e uma bela margem para a minha pretensão de tempo. Mas dada a altimetria da prova, não dava para comemorar muito: estávamos no ponto mais baixo do percurso. Até então, havia sido apenas descida, e dali pra frente, apenas subida. Mesmo focado no tempo e praticamente entrando "em flow", eu pude aproveitar e me deliciar com as maravilhas dessa corrida. Muita gente acompanhando a prova em vários pontos do percurso e dando seu incentivo. Ou apenas interagindo com os corredores mesmo. E assim foi ao longo do centro de São Paulo, passando perto de vários cartões-postais da cidade ou importantes pontos de referência. Mais ou menos na altura do km7,5, metade da prova, passamos pela Praça Princesa Isabel com a imponente estátua do Duque de Caxias. Passamos próximos ao edifício Copan, contornamos a esquida da Av. Ipiranga com a Av. São João, em vários pontos pude avistar o prédio do Banespa. E tudo isso com vários toques musicais de pessoas se apresentando, desde taiko (tambores japoneses), passando por bandas de rock (cover dos Beatles) e até mesmo um grupo tocando e dançando frevo no meio da avenida. Acho que nessa hora acabei desviando de algum corredor e passei sem querer no meio do frevo.

A hora avançava e começava a esquentar. Ainda assim, o clima estava muito agradável. Passei no checkpoint do km10 com a marca de 55 minutos. Ou seriam 56 minutos e uns quebrados? Na verdade nesse ponto já estava bastante evidente novamente uma diferente entre a marcação do meu relógio e a oficial da prova, em cerca de 300 metros. Talvez tenha acontecido por eu ter ficado zigue-zagueando para desviar de outros corredores, em especial entre os km2 e 4 da prova.

Segui pelas ruas do centro de São Paulo. Contornei o largo do Paysandú, o belíssimo Teatro Municipal de São Paulo, quebrei para outras ruas e logo veio o último posto de água no início da subida da Av. Brigadeiro Luiz Antônio. Eu sempre tomo um pouco de água e jogo outro tanto no rosto para me refrescar. Um fotógrafo registrou esse momento e gostei tanto da foto que decidi por incluí-la aqui. E na sequência, a subida começou a apertar. Muito famosa por ser o ponto em que muitas corridas do pelotão de elite foram decididas, mas também por ser algo muito comentado entre os próprios corredores amadores. Lembro-me de nas outras edições ver muita gente caminhando, e que por ter conseguido me manter correndo, ainda que em ritmo mais leve, ter conseguido ultrapassar muita gente. Dessa vez não foi muito diferente. Segui tentando manter um bom ritmo na subida e ultrapassando muita gente. O público, que esteve presente em quase todo o percurso, mostrou-se mais numeroso na subida. Justamente por ser a parte mais desafiadora do percurso, é onde muita gente decide ir para dar aquela força para seu amigo que está participando da prova. Ou talvez existam aqueles que vão simplesmente para dar um apoio inespecífico aos corredores em geral. Seja como for, o apoio do público nessa subida com certeza dá uma marcha a mais para ajudar na subida com gritos de incentivo. Eu também me contagiei e logo após molhar a cabeça na saída do posto de água soltei um grito que veio do fundo da alma: "BORA!!!" Pois é, ao contrário dos outros anos que encarei a Brigadeiro, nos quais lembro-me de estar muito cansado e só conseguir olhar para baixo, desta vez eu estava mais inteiro, mantendo a cabeça erguida o tempo todo e consequentemente conseguindo contemplar na plenitude esse espetáculo da corrida de rua: diversos corredores sendo desafiados pela subida, e um número ainda maior de pessoas nas laterais da avenida incentivando os atletas! Talvez seja justamente essa simbiose entre público e atletas que torne a São Silvestre uma das corridas de rua mais especiais e emocionantes que existam!

Uma semana antes da São Silvestre eu havia feito um treino de subida na Ilha Porchat em São Vicente, que é uma subida ainda mais desafiadora que a Brigadeiro. Talvez isso tenha me ajudado a desempenhar bem. Meu relógio completou o último quilômetro na Brigadeiro com 6min26seg. Nada mal para uma subida! Isso aconteceu na última quadra da Brigadeiro, quando a subida praticamente termina e já é possível ver a esquina com a Paulista. Desnecessário dizer que ela estava absolutamente abarrotada de gente acompanhando a prova. Dobro a esquina e vejo o pórtico da chegada ao fundo. Confesso que na minha memória o trecho na Paulista não era tão longo assim. Olho no relógio e o tempo marcado era de 1h26min. Faço o sprint final com o que me restava de forças, ao mesmo tempo que curtia o fato de estar correndo na absolutamente charmosa Avenida Paulista. Cruzo a linha de chegada com o tempo final de 1h27min22seg!

Missão cumprida! São Silvestre 2024 completada aos meus 40 anos de idade! E de quebra ainda consegui fazer abaixo de 1h30min, batendo portanto minha meta auto-imposta de tempo! A sensação não poderia ser das melhores. E veio o pensamento de que a São Silvestre é tão legal que merece ser corrida todos os anos. Porém, parando para pensar melhor, talvez tenha sido muito especial este ano justamente por causa do hiato de 12 anos sem participar. Não sei ainda se irei correr novamente na histórica 100a. edição de 2025. Vou decidir isso no devido tempo, conforme for o andamento do meu ano. Mas uma coisa é certa: ainda pretendo volta a correr mais vezes a São Silvestre. Quem sabe para comemorar os meus 50 anos de idade?



Segue novamente o print com as parciais marcadas pelo meu relógio, com direito à marcação superior à distância da prova. E para finalizar, vou deixar não só a foto da medalha desta edição da São Silvestre, mas também, logo abaixo, a foto com as 3 medalhas que possuo: a da 84a. edição (2008), a da 88a. edição (2012) e a da 99a. edição (2024).