sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Sem saber que era impossível, ele foi lá e fez: Maratona de São Paulo 2014

Ou seria melhor dizer: mesmo sabendo que era impossível, ele foi lá e fez?

A bem da verdade, quando decidi encarar os 42k pela primeira vez, a escolha óbvia seria a Maratona de São Paulo dada a proximidade geográfica para mim. Mas no ano passado fui surpreendido com uma repentina mudança de data na corrida, de junho para outubro, o que conflitava com meus planos para o segundo semestre. Por esse motivo decidi fazer minha estreia em maratonas na cidade maravilhosa no ano passado. Mas o forte calor carioca no dia me fez concluir que a maratona seguinte teria que ser em um lugar frio. O ano virou e a organização manteve a data da Maratona de São Paulo para o mês de outubro. Mesmo sabendo que corria o risco de vir outra corrida com muito calor, decidi arriscar e fiz a inscrição. E tentei me preparar melhor para tal: fiz treinos em horários mais tarde (começando às 9:00 da manhã ao invés das 7:00), incluí uma meia no Rio de Janeiro com largada às 9:00 da manhã, dentre outras. Fiquei até tranquilo poucas semanas antes da corrida quando uma frente fria derrubou as temperaturas em São Paulo. Mas logo veio uma onda de calor e na semana que antecedeu a Maratona eu cogitei seriamente desistir de participar da prova pois considerei que seria impossível completar nessas condições climáticas. Colegas corredores do trabalho me incentivaram, disseram que eu deveria no mínimo tentar, e que na pior das hipóteses desistiria no caminho. Não seria nada vergonhoso desistir de uma maratona num dia muito quente. E por isso resolvi que iria arriscar.


A corrida foi no exato dia da mudança do horário de verão. Ou seja, a largada às 8:00 na verdade corresponderia às 7:00, o que facilitaria do ponto de vista do calor. Na véspera da corrida, durante a retirada do kit, já deu pra sentir o drama que estava por vir. Mas fiz uma boa preparação, especialmente no final, com direito ao "carbo-load" e boas horas de sono na véspera. Na verdade acabei dormindo um pouco mal, talvez por causa da ansiedade da corrida. Quando o despertador tocou eu não tinha a menor vontade de sair da cama, muito menos para correr uma maratona. Mas criei coragem, levantei e fui até a largada. Cheguei meia hora antes e os termômetros já marcavam 24°C. Sentei na sarjeta e fiquei esperando. Enquanto isso o locutor da organização falava ao microfone para as pessoas se hidratarem bem durante a prova, em especial os que iriam para a Maratona (existia também uma prova de 10k e uma de 25k). Chegou inclusive a dizer que a previsão era de temperaturas acima dos 30°C ao longo da prova, e que quem não se sentisse bem deveria desistir da prova, que outras oportunidades iriam surgir. Para mim isso soou como uma enorme irresponsabilidade da organização de definir a data da maratona para um mês tão quente. Tanto é que agora para 2015 voltaram a data para o mês de Maio. Pelo menos percebe-se que aprenderam a lição.

Veio então a largada, e eu ainda estava sonolento. Fui seguindo um ritmo tranquilo, sem forçar no começo e aceitando o ritmo da multidão. Somando as 3 provas acho que tinha cerca de 15 mil pessoas ali na largada, o que causou aquela muvuca à qual já estou habituado. Logo no km1 já vi um posto de água e achei que se jogasse água na cara seria uma boa para despertar. Mas que nada, o posto era no km41. Seja como for, considero que "acordei" de fato apenas no km4, já com uns 22 minutos de prova (comecei virando 6:30/km) que foi quando cheguei ao primeiro posto de água e pude finalmente jogar água no rosto. Aliás, dado o forte calor que o dia prometia, resolvi adotar a seguinte estratégia: pegar sempre 2 copos de água em cada posto, ao contrário de apenas 1 como sempre faço. Desses 2 copos, eu tomava metade do primeiro e jogava todo o resto na cara de modo a regular melhor a temperatura corporal. Além disso, fui munido de carbo-gel, bananinha e cápsulas de sal que um amigo triatleta me deu.

Veio então o primeiro túnel, com direito a DJ, música, luzes de balada e muita algazarra. A galera realmente gritava, o que me fez perguntar se aqueles alucinados estavam indo para a maratona. Não demorou muito para chegar a resposta. Logo na sequência passamos pelo km5 e a galera dos 10k se separou e tomou o caminho de volta. E a seguir veio o segundo túnel, no qual apenas os atletas das provas de 25k e 42k entraram. E o que se ouviu dentro deste túnel foi o mais absoluto silêncio. Ouvia-se apenas o som das passadas dos atletas, e o bater de asas de uma mosca caso tivesse alguma por ali.

Na saída do túnel, a avenida do Jockey, local onde larguei na Meia da Mizuno do começo do ano. A partir deste ponto o percurso da Maratona foi muito parecido com o desta meia. Atravessamos toda a avenida e antes de entrar na USP cortamos para a ponte Cidade Universitária. Na Praça Pan-americana completamos 10k (cerca de 1h05min) e seguimos pela avenida que leva ao Parque Villa-Lobos. Desta vez, ao contrário da Meia da Mizuno, a pista não estava dividida ao meia para o "vai-e-volta", causando menos aglomeração e propiciando uma boa corrida. Nesse ponto eu estava bem. Os termômetros já marcavam mais de 30°C e eu sentia o calor. Mas seguia com a estratégia da hidratação em cada posto de água, consumindo também meus sachês de gel, bananinha e cápsulas de sal alternadamente em cada posto, conforme planejado. A sensação é a de que eu estava dentro da prova, mantendo o foco, e que tinha condições sim de terminar (embora ainda estivesse muito cedo para dizer qualquer coisa).

Entramos na USP e o calor apertava. Pelo menos lá dentro deu pra pegar a sombra das árvores no meio da avenida da raia. Corri inclusive fora do asfalto, nas vagas de estacionamento, pois é onde estava a sombra. Saímos pelo Portão 2 e pegamos a Av. Escola Politécnica. O Sol realmente começava a judiar e eu agradecia por ter lembrado do protetor solar, senão a esta hora já estaria torrando. Quando reentramos na USP, novamente pelo P2, na altura do km18, veio o primeiro posto de Gatorade. Peguei 3 sachês na mão (até porque não cabia mais), ao contrário da Maratona do Rio na qual só pegava 1 sachê por posto. Lembrando que naquela corrida o Gatorade acabou no km25 e enfrentei o final da prova só à base de água. Mas aqui, até mesmo pelo número mais limitado de postos de Gatorade, decidi guardar um pouco. Tomei o primeiro sachê na hora. O segundo foi após cruzar o km21, ainda dentro da USP, ponto no qual muita gente comemorou por ter chegado na metade, e no qual passei com cerca de 2h15min de prova. Saindo da USP passamos pelo túnel que levava de volta à Av. do Jockey, na qual um fotógrafo tirou a foto abaixo. Percebe-se que já estou um pouco cansado, mas sentia que dava, que tinha plenas condições de ir até o fim mesmo com aquele calor. Nesse ponto ouvi outros corredores comentando que iam parar ali no Jockey, no km25, junto com o pessoal que havia se inscrito para a prova de 25km, pois dali havia um ônibus da organização que levaria gratuitamente até a chegada no Ibirapuera. Mas sequer cogitei essa possibilidade, tamanha era a confiança que havia adquirido naquele ponto da prova.


Chegamos então ao km25 e à chegada da corrida dessa distância. Tive a impressão de que cerca de metade dos atletas (ou mais) havia deixado a prova na altura dos 10k. E agora metade do que ficou também saía, de modo que menos de 1/4 dos que largaram continuavam na maratona. Nesse ponto aconteceu também algo curioso: uma acessoria esportiva estava distribuindo Gatorade e banana para os atletas. Mesmo com um sachê na mão não hesitei em aceitar a oferta pelo Gatorade extra.

Foi então chegando ao posto de água da Ponte Cidade Jardim, logo após o km26, que comecei realmente a sentir pesar mais o cansaço. Foi bastante animador ouvir palavras de incentivo das pessoas naquele ponto, dizendo que só por estarmos ali já éramos vencedores. De cima da ponte pude ver as pessoas correndo na Marginal Pinheiros, e em pouco tempo eu também chegaria lá.

Eis então o momento crucial da prova: a Marginal Pinheiros. De um lado, um rio com cheiro de esgoto. Do outro, a pista local (corríamos na espressa) completamente congestionada de carros emitindo dióxido de carbono pois o trânsito estava desviado. E para piorar, o Sol escaldante do dia e a falta completa de sombras. E ao chegarmos lá já tínhamos 27km na bagagem. Tomei meu último sachê de Gatorade. Mas logo veio um posto de água no qual distribuíram batatas assadas também. O alimento salgado deu uma reanimada também. Foi nesse ponto, no km29, que caminhei pela primera vez, para comer as batatas.

Para minha surpresa, ao passar pelo km31 havia um posto de Gatorade. Na verdade era o do km36, mas como o posto ficava no meio da avenida (fazíamos ida-e-volta na Marginal, o posto ficava na volta) era possível pegar na ida também. Fui seguindo pela Marginal. Sabia que o retorno seria na ponte estaiada, mas eu sequer era capaz de avistá-la. Só consegui fazê-lo no km33. E o retorno aconteceu apenas no km34, com direito a um tapete de marcação de tempo intermediário nesse ponto. Começava a sentir enjoo, e embora eu soubesse que tinha que consumir gel e bananinha para repor os carboidratos, achei que poderia vomitar consumindo esses alimentos doces desse jeito.

Veio então o km35. E com ele, o famoso "muro". Se no Rio eu bati no muro no km32, quando senti fortes dores no baço, aqui foi no km35. Não foi tão desesperador quanto no Rio, mas ainda assim foi nessa hora que eu achei que não aguentava mais correr, que havia chegado ao meu limite. Faltavam apenas 7km para o final, mas parecia muito mais. Mas, se no Rio contei com o apelo popular da prova para encontrar energias e continuar, desta vez contei mesmo foi com a sorte. Quis o destino que aquela acessoria esportiva que distribuiu Gatorade e banana no km25 estivesse também no km35. Troquei ideia com a senhora que nos atendeu. Ela disse que no começo eles davam apoio apenas para seus atletas, mas em um dado momento começavam a ajudar quem estivesse precisando. Além do Gatorade, ela me ofereceu azeitonas, e disse que o sal iria me fazer bem. E ela também enfatizou que ali era o pior trecho da prova, que saindo da Marginal as coisas iriam melhorar. Agradeci o apoio, embora não lembre o nome da acessoria para mencioná-los aqui novamente. Seja como for, reitero meus agradecimentos.

A saída da marginal deu-se por meio de uma subida de uma alça de acesso. Consegui subir correndo, e nesse momento me ocorreu o pensamento de que eu realmente gostava de correr. Nada justificava continuar naquela corrida naquelas condições a não ser o gosto enorme pela corrida. Mas agora já estava no km38, de volta à Av. Juscelino Kubitschek, e era só seguir em linha reta rumo à chegada. Ao passar pelo posto de água do km39 a moça da organização me disse que era o último, e insistiu para que eu levasse um terceiro copo. Peguei os dois túneis na volta. Por um lado achei bom pois tinha um pouco de sombra e evitava a desidratação, mas por outro era ruim pelo desnível. O cansaço era tanto que acho que caminhei por mais de um quilômetro inteiro nesse retorno. No primeiro túnel uma ambulância passou por mim. E logo após sair do segundo vejo alguns pedestres acudindo outro corredor que havia desmaiado. É, a coisa não estava fácil pra ninguém. Eu continuava caminhando e correndo pouco, pois sentia que a desidratação estava começando a pegar. Tal como foi na Maratona do Rio. Mas só fui sentir esses problemas agora no final.




Cheguei então à Av. República do Líbano, margeando o Parque do Ibirapuera. Fazia muito calor e o ar estava muito abafado. Eu realmente sentia muito forte a desidratação. Passei por um termometro marcando absurdos 36°C. Eu simplesmente não podia acreditar naquilo. Lembro-me de um treino que fiz em Santos uma vez no verão a 38°C e que passei muito mal. Mas então, fui salvo novamente pelo posto de água do km41 (sim, o mesmo pelo qual havia passado na ida, confirmando que a moça do posto do km39 havia se enganado). Logo pude avistar o Monumento às Bandeiras, e fazendo essa curva logo pude avistar a linha de chegada. Faltando cerca de 300m para o fim, ouço meu nome. Era minha namorada me esperando. Ela correu comigo os últimos metros da corrida e tirou minha foto no instante da chegada. Acima, é possível ver a foto oficial da minha chegada tirada pela organização (dá pra vê-la de azul tirando a foto). E abaixo, a foto que ela tirou na sequencia da minha chegada. Pra quem havia cogitado sequer participar, terminar a corrida era algo simplesmente inacreditável. Foi realmente uma saga memorável.


Vale a pena enfatizar que, apesar do tempo de prova um pouco mais elevado que na Maratona do Rio do ano passado, desta vez a recuperação pós-prova foi muito mais fácil. Não tive febre no dia e consegui até pegar o carro para dirigir à noite. No dia seguinte também fui trabalhar sem problemas. O trauma do ano anterior foi finalmente superado. E após duas maratonas debaixo de Sol escaldante, não me restam mais dúvidas: a maratona pode ser um sonho, mas é sim possível. Basta acreditar, querer e se preparar adequadamente. Deve-se gastar muito tempo com a preparação, mas no fim das contas é pra lá de divertido. E, como já mencionado, é para quem REALMENTE gosta de correr.

Segue finalmente a foto da medalha e a conclusão deste post. Não foi a primeira medalha de maratona, mas certamente será outra corrida inesquecível para guardar na memória para todo o sempre!