terça-feira, 16 de janeiro de 2024

Barefoot Runner: uma biografia sobre Abebe Bikila

Não lembro exatamente quando foi, mas ouvi falar pela primeira vez do corredor etíope Abebe Bikila na época de alguma Olimpíada, provavelmente Atlanta-1996 ou Sydney-2000. E nos meus primeiros anos como corredor um amigo me contou da existência desse livro que conta a história dele. Até achei que seria uma leitura interessante, mas como o livro nem havia sido lançado no Brasil na época (aliás, nunca foi até hoje), acabei deixando de lado.

Curiosamente em 2019 tirei férias no Sudeste Asiático e voei com a Ethiopian Airways, com escala em Addis Abeba, capital do país. No aeroporto, encontrei o livro à venda por 40 dólares! Resolvi esperar um pouco e ver quanto custaria comprando pela internet. Como esperado, apenas 7 dólares. Então, em uma viagem a trabalho para o exterior no final do mesmo ano, acabei comprando o livro. Mas entre tantas outras leituras, essa daí acabou ficando de lado por um tempo. Não sei dizer exatamente o motivo, mas no final do ano passado (2023) resolvi começar a leitura.

Trata-se na verdade de uma biografia romanceada. Um misto entre descrição de fatos e desenvolvimento dos personagens, com direito a diálogos e pensamentos. Talvez o autor tenha entendido que dessa forma a leitura ficaria mais agradável para o público. E de fato, na minha opinião a leitura ficou bastante prazerosa dessa forma.

Por se tratar de uma biografia, relatando portanto fatos reais, ocorridos há cerca de 60 anos atrás, então não vai ser spoiler comentar um pouco da história em si. Abebe nasceu em um vilarejo no interior da Etiópia, e quando adolescente saiu de casa para cumprir seu sonho: ser um soldado da guarda imperial e servir ao imperador Haile Selassie, assim como seu pai o fizera.

Cabe aqui um parênteses: o livro conta como a figura do imperador era importante na Etiópia. Diz-se que ele era descendente direto do Rei Salomão com a Rainha de Sabbá (que era etíope). Mais ainda, a Arca da Aliança (a mesma do filme do Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida), na qual as tábuas originais dos 10 mandamentos estão guardadas, supostamente está no subsolo da catedral de Addis Abeba. 

O Imperador Selassie decide então investir no esporte e aceitar o convite do Comitê Olímpico Internacional para participar dos Jogos Olímpicos de Melbourne em 1956. Então ele contrata Onni Niskanen, um ex-atleta sueco, para ser treinador dos soldados de sua guarda imperial, e ver se algum deles teria aptidão para o esporte. O foco, entretanto, eram os corredores de curtas e médias distâncias, e Abebe nunca se destacou nessas provas, por mais que se esforçasse. A delegação que viajou a Melbourne não trouxe nenhuma medalha, mas um quarto lugar obtido na prova dos 1500m mostrou que eles poderiam sim competir em alto nível.

Um belo dia Niskanen decide colocar seus corredores para fazer uma maratona, e eis que brilha finalmente Abebe Bikila. Dono de ótimos tempos e vencedor de uma prova local de maratona, ele parecia sim um jovem muito promissor. Mas os próximos Jogos Olímpicos seriam em Roma em 1960, e muita propaganda estava sendo feita em cima das provas de Ciclismo, esporte muito apreciado na Itália. O Imperador decide então mandar mais alguns ciclistas e pouco recurso restou para o Atletismo. Porém, na véspera da viagem, um dos atletas de curta distância se machuca jogando futebol, e então Abebe Bikila é chamado.

Muito interessante a forma como o livro relata a primeira viagem de avião, a primeira vez fora da Etiópia e o primeiro contato com estrangeiros, em especial com os americanos. Sim, o livro relata bastante as diferenças culturais entre os povos. Por exemplo, um único atleta americano comprou 6 pares de tênis, enquanto os etíopes, quando muito, conseguiam comprar 1 só. Aliás, Abebe não se adaptou com nenhum tênis, e como já estava mais do que acostumado a correr descalço, decidiu por assim o fazer (tendo todo o apoio de seu treinador Niskanen).

Ao longo das duas semanas da Olimpíada, Abebe treina em todo o percurso da maratona de modo a conhecer cada detalhe do relevo. Em um dado ponto do percurso, eles passariam pelo Obelisco de Axum, trazido para Roma cerca de 2000 anos antes quando da conquista de uma região da Etiópia. Aquele seria o ponto que Abebe deveria iniciar o sprint final para se distanciar dos oponentes. De acordo com Niskanen, seu principal adversário seria um marroquino chamado Rhadi, embora a imprensa estivesse apostando as fichas em atletas europeus e soviéticos. 

Na largada da maratona, Abebe já fica feliz só de estar ali com outros atletas do mundo inteiro, e poder conhecer pessoas das mais diversas nacionalidades. Ao dar a largada, Abebe faz como o recomenado por Niskanen, e começa a seguir o pelotão da frente, com o ritmo sendo ditado por dois atletas soviéticos. Porém, lá pelo km25, Rhadi aperta o ritmo para liderar a prova e é prontamente seguido por Abebe. Ocorre que Rhadi havia trocado seu número 26 pelo 185, que ele usara na prova dos 10.000m na qual obteve o ouro. Por esse motivo, Abebe achou que se tratava de outro atleta. algum egípcio talvez (Abebe conhecia alguns egípcios, mas nenhum marroquino). Pouco depois, Abebe achou que Rhadi deveria estar ainda mais à frente daquele suposto egípcio e apertou ainda mais o ritmo. Ao passar pelo Obelisco, iniciou o sprint final e arrancou para o então inédito ouro olímpico da Etiópia!

A piada que ficou é que a Itália precisou de um exército para invadir a Etiópia, mas bastou um soldado da guarda imperial para conquistar Roma! O fato de correr descalço também chamou muita a atenção. E mais do que isso: Abebe simplesmente pulverizou o recorde mundial da maratona, que era de então 2h23min, para 2h15min! Curiosamente os dois soviéticos que iniciaram a prova puxando o pelotão, estavam muito confiantes pois sabiam que poderiam correr abaixo do recorde mundial. Eles de fato conseguiram completar em 2h20min, mas chegaram em quarto e quinto lugares e terminaram sem medalha! Quanto a Rhadi, logo após o pódio ele cumprimentou Abebe e disse estar feliz por ter perdido para um africano, e não para um americano, europeu ou soviético.

Abebe retornou à Etiópia e foi condecorado pelo imperador, tendo se tornado uma celebridade e herói nacional. Ainda assim, continuou sendo soldado da guarda imperial, com o mesmo salário e mantendo o mesmo padrão de vida. Mas, ao contrário dos atletas americanos, que diziam esperar novos contratos e novos patrocinadores após o retorno, Abebe estava muito grato ao Imperador pela oportunidade que lhe fora concedida.

Poucos meses após a Olimpíada, alguns militares superiores de Abebe tentam dar um fracassado golpe de Estado contra o Imperador, e por isso são condenados à morte. Abebe, embora só estivesse cumprindo ordens superiores sem nem desconfiar qual era o objetivo da operação, também estava entre os condenados. Muitos foram os que suplicaram pela sua vida, dentre eles obviamente Niskanen. Não se sabe ao certo por qual motivo o Imperador poupou a vida de Abebe. Possivelmente porque ele se recusou a atirar em um membro na nobreza durante a operação. Mas fato é que, se antes Abebe já era grato ao Imperador pelas oportunidades que teve, desse dia em diante passou a ser grato por sua vida!

Abebe sofreu uma derrota importante na sua carreira quando foi convidado a participar da Maratona de Boston em 1963, a mais antiga do mundo. Talvez pelo clima muito frio e úmido, mas ele não conseguiu desenvolver um bom ritmo e ficou muito longe dos líderes. O que na verdade lhe deu mais ânimo para treinar para os Jogos Olímpicos de Tóquio em 1964.

No Japão, Abebe já não tinha mais o elemento surpresa a seu favor. Pelo contrário, ele era o homem a ser batido agora. Mas na largada alguns atletas saíram em um ritmo muito forte logo no começo, e na marca dos 10km Abebe sequer estava próximo ao pelotão. Mas logo os líderes começaram a reduzir o ritmo, de modo que na marca dos 15km Abebe assumiu a liderança. E ao passar pelo km21, metade da corrida, já era líder absoluto. Abebe venceu a prova com 4 minutos de vantagem sobre o segundo colocado, além de estabelecer novo recorde olímpico com 2h12min. Mais do que isso, tornou-se o primeiro atleta a ganhar duas maratonas olímpicas! Esse só foi igualado mais tarde pelo alemão Waldemar Cierpinski (Montreal-1976 e Moscou-1980) e pelo etíope Eliud Kipchoge (Rio-2016 e Tóquio-2020).

Abebe ainda participou dos Jogos Olímpicos de 1968 na Cidade do México e liderou a maratona até o km15, quando foi forçado a abandonar a corrida com fortes dores na perna. Mas torceu muito e viu seu amigo e compatriota Mamo Wolde levar o ouro olímpico para a Etiópia mais uma vez! Com isso, Abebe decidiu parar de competir e virar um treinador assim como Niskanen, e começar a treinar novos corredores. Até mesmo porque, dali a 4 anos ele provavelmente já não conseguiria mais competir no mesmo nível devido à idade.

De forma bastante trágica, Abebe sofreu um acidente de carro enquanto dirigia pela capital Addis Abeba em 1969. Tratava-se do carro que o Imperador lhe havia presenteado pela medalha de ouro em Tóquio. Nesse acidente, ele fica paralítico e perde completamente o movimento das pernas, não podendo mais voltar a correr. Deve ser realmente muito triste para um corredor profissional não conseguir mais movimentar as pernas. E, embora a os Jogos Paraolímpicos já existissem (primeira edição foi em 1960), ainda era algo muito incipiente e provavelmente não era conhecido na Etiópia. Mesmo assim, Abebe ainda participa de algumas competições menores de arco e flecha para cadeirantes. Apesar de não conseguir se destacar, ele fica muito feliz de participar e diz finalmente compreender o lema olímpico, de que o importante não é vencer, mas competir. Sem dúvida uma leitura bastante motivadora para corredores amadores como eu, que gostam simplesmente de participar das corridas de rua, com a única ambição de ser sempre melhor do que apenas você mesmo.

Se você leu esse post até aqui e achou a história do Abebe Bikila interessante, deixo aqui dois vídeos do canal oficial do Comitê Olímpico Internacional no YouTube contando mais detalhes sobre as duas maratonas vencidas pelo etíope.



quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Desafio Farma Conde Arena

O ano de 2022 começou com uma nova onde de casos de COVID, mostrando que a pandemia ainda não havia terminado. Por esse motivo acabei não traçando nenhum objetivo de corrida no começo do ano. Preferi adotar a cautela e ver como seria o desenrolar dessa história.

Porém, logo no começo do ano passei por problemas pessoais que até me tiraram do foco das corridas. Não cheguei a parar com meus treinos, mas também não procurei novos desafios por um bom tempo.

Foi realmente quase no meio do ano, após ver vários amigos participando de uma Meia Maratona em São José dos Campos, que me animei e resolvi correr alguma prova. Dado o calendário local, uma boa candidata seria o Desafio Farma Conde Arena.

Situada na Via Oeste, uma via expressa de trânsito rápido em São José dos Campos, esse ginásio poli-esportivo foi uma daquelas obras de infra-estrutura que volta e meia era paralisada e depois retomada. Não acompanhei muito de perto o desenrolar dessa história, mas fato é que depois de muito tempo finalmente a arena foi concluída e havia sido recentemente inaugurada. A corrida de rua serviria, portanto, até mesmo para as pessoas poderem conhecer a arena e as imediações.

Desnecessário dizer que a entrega do chip foi na própria arena. A única coisa que lamento é que não foi dentro da quadra do poli-esportivo (como acontece por exemplo com a entrega dos kits da São Silvestre, que até a última vez que participei era dentro do Ginásio do Ibirapuera), mas sim no átrio de entrada do público. Dessa forma, não foi possível entrar na arena propriamente dita, mas apenas dar uma olhada de relance.

No dia da corrida, o amplo estacionamento da nova arena estava disponível para os participantes. E a própria concentração para a prova estava sendo realizada ali. 

Ao contrário da Meia de Santos, realizada em Novembro de 2021, com todos os cuidados necessários com a pandemia, a organização dessa prova não parecia minimamente preocupada com o vírus. Não foi necessário apresentar teste PCR ou comprovante de vacina para a retirada do kit, e muito menos para a entrada na região da largada. Eu me senti um extraterrestre por ter ido buscar meu kit de máscara, e por ficar com ela durante a concentração sempre muvucada da largada. Isso porque conheço muita gente que ficou doente no mês anterior. Um sinal de que, se a pandemia ainda não havia passado de fato, pelo menos a preocupação da maior parte das pessoas, essa sim já havia sido deixada para trás.

O percurso da corrida não foi muito diferente da prova da Track and Field do Shopping Colinas que participei em 2019. A diferença residia basicamente no ponto de largada e chegada (Arena ao invés do Shopping). Mas a bela manhã de sol de domingo no inverno e o ar até mesmo um pouco bucólico da Via Oeste foram uma bela inspiração para a participação nessa prova. Curiosamente encontrei um colega de trabalho na largada que eu nem sabia que corria. E pelo visto nem ele! Acabou me contando que era sua primeira corrida, que havia começado fazia pouco tempo por recomendação médica. Desejamos boa sorte um ao outro e logo foi dada a largada e estávamos correndo.

Eu não tinha nenhuma meta de tempo para a prova. Meu recorde pessoal dos 10k, obtido na prova da Tribuna em 2015 com 50min15seg, seria praticamente inalcançável dado meu nível de treino. Terminar a prova abaixo de 1h era praticamente obrigação para mim, pois sempre consegui fazer pelo menos esse tempo. Ficar abaixo dos 55min já parecia uma meta factível dada a realidade do momento.

Comecei a corrida um tanto quanto tranquilo, tentando apenas manter um bom ritmo e apreciar a paisagem da Via Oeste. Completei o primeiro quilômetro com 4min56seg, e logo constatei que tinha que reduzir um pouco o ritmo. Os dois quilômetros seguintes foram feitos com média de 5min08seg. Ainda muito forte, e eu percebia que não seria possíel manter o mesmo ritmo. O quarto quilômetro veio com 5min20seg, e a partir daí a coisa já parecia mais realista mesmo. Cruzei a marca dos 5km, metade do percurso, com 25min45seg. Na segunda metade da prova ainda mantive uma média de 5min20seg por quilômetro, tentando dar uma leve puxada no último quilômetro com o fôlego que ainda restava para cruzar a linha de chegada com 51min23seg! Nada mal!

Um outro detalhe é que foi apenas minha segunda corrida oficial com um relógio que marca as distâncias (antes disso usava o celular). E pela segunda vez a distância final marcada pelo relógio ficou abaixo da marcação oficial da corrida, foram apenas 9,78km. Uma pena, pois o app não reconhece que foi uma prova de 10km, logo não registra essa corrida como uma das melhores marcas de 10km. Acontece.



Como não poderia deixar de ser, finalizo o post com a foto de mais uma medalhinha de participação para a coleção. E que venham ainda muitas outras!


PS: Sim, a corrida foi em Agosto de 2022 e eu publiquei o post em Janeiro de 2024. Os desafios que a chegada da paternidade trouxe também impactaram a disponibilidade para treinar e participar de corridas. Retomar a escrita do post (que já estava bem avançado por sinal) durante o recesso de fim de ano foi uma forma de motivação para voltar a correr. Que venham portanto mais corridas!