terça-feira, 7 de janeiro de 2020

A emoção de conduzir a Tocha Olímpica

Esse post não é bem sobre uma corrida. Mas a ideia de escrever um blog nasceu para que eu pudesse registrar em algum lugar as diversas histórias de corrida que eu tinha pra contar. E as coisas que as pessoas me perguntam a respeito. Então porque não escrever sobre o dia em que conduzi a tocha olímpica?

A bem da verdade, tudo começou na Olimpíada de Atlanta-1996, quando vi na TV que cidadãos comuns estavam participando do revezamento da tocha olímpica quando a mesma foi sediada nos Estados Unidos. Eu, na época com apenas 12 anos, pensei que seria realmente um sonho se um dia eu pudesse participar do revezamento. Quando o Rio de Janeiro foi escolhido como sede para os Jogos de 2016, logo me ocorreu que seria a chance da minha vida. Por isso mesmo logo fui me informando sobre como seria o percurso do revezamento, quais cidades estariam envolvidas e como eu poderia me inscrever para participar.

Cabe aqui uma nota explicativa sobre como se dá o Revezamento da Tocha Olímpica. Ele sempre se inicia na cidade de Olímpia, na Grécia, com uma encenação teatral na qual sacerdotisas invocam os deuses gregos da Antiguidade para acender o fogo olímpico. Nessa cerimônia participam autoridades do Comitê Olímpico Internacional e também do Comitê Organizador da edição corrente dos Jogos Olímpicos. No caso, representantes do Comitê Olímpico Brasileiro e da organização da Rio-2016 estavam presentes. Após essa cerimônia, o fogo olímpico é passado de uma tocha para outra em um revezamento envolvendo vários condutores diferentes até a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos. Nessa ocasião, um representante do país sede é escolhido para acender a Pira Olímpica e dar início aos Jogos. Em geral escolhem um atleta que tenha se destacado em uma edição anterior dos Jogos.

Sobre isso, queria fazer uma pequena digressão no post. Mas, na minha opinião, na Rio-2016, fizeram uma justa homenagem ao escolherem o maratonista Vanderlei Cordeiro de Lima, medalha de bronze em Atenas-2004, para acender a pira. Aquela edição da maratona olímpica ficou marcada porque o brasileiro liderava a prova com boa vantagem depois do km30 quando um padre irlandês invadiu a pista e o abraçou, fazendo-o perder tempo. Especialistas dizem que o ritmo do brasileiro vinha caindo e acabou melhorando depois do episódio, talvez por uma questão psicológica, de tal modo que possivelmente ele nem chegaria em terceiro lugar na corrida. Mas seja como for, o fato de ele ter continuado na corrida até o final foi um sinal incrível de esportividade, que lhe rendeu inclusive uma medalha especial, a "Barão de Coubertin", do Comitê Olímpico Internacional, por ter encarnado o espírito olímpico.

Retomando, qual percurso é realizado pela chama desde Olímpia até, no caso, o Rio de Janeiro? E quem são os condutores da tocha? Essa decisão coube ao Rio-2016. Nessas horas o COI pouco interfere. Para se ter uma ideia, nos Jogos de Atenas-2004, como o trajeto seria muito curto, decidiram que a tocha visitaria todas as cidades que já haviam sediado os Jogos Olímpicos em alguma oportunidade, e que passaria também por todos os continentes. Como nunca havia sido realizada uma Olimpíada na América do Sul, mas para incluir nosso continente nesse revezamento escolheram o Rio de Janeiro, que já havia se candidatado para receber uma edição dos Jogos anteriormente, para receber o revezamento. Atletas que já haviam representado o Brasil nos Jogos foram escolhidos para conduzir a tocha naquela ocasião.

Mas e desta vez, na Rio-2016? Como foi feita a escolha? O processo seletivo foi um tanto confuso, eu diria. Eram cerca de 11 mil vagas para condutores, e o processo foi dividido entre o site da Olimpíada e promoções realizadas pelos patrocinadores do evento do Revezamento da Tocha. No caso, como pode-se ver no logotipo oficial do Revezamento, eram a Coca-Cola, a Nissan e o Bradesco. Cada qual abriu um concurso no qual os trabalhos mais criativos seriam escolhidos. Já pelo site oficial do revezamento, você também poderia participar. Para tanto você deveria ser indicado por algum conhecido por alguma coisa que tivesse feito. Quantos selecionados seriam por cada processo é algo que eu desconheço. Fato é que não participei das promoções dos patrocinadores, até porque tenho certeza que não seria capaz de fazer um vídeo criativo para ganhar. Meu pai acabou escrevendo no site um pouco sobre meu gosto por esportes, corrida de rua em particular e também sobre alguns trabalhos voluntários que já participei.

Ok, nunca fiz nada de sensacional nem digno de nota em prol do esporte nacional e muito menos posso dizer que sou um voluntário tão dedicado quanto gostaria. Mas fato é que a história foi aceita no site, não foi descartada logo de cara. Entretanto, justamente por não ser uma história muito especial, fui colocado numa fila de espera. Fiquei um pouco chateado com isso, principalmente ao ver que em muitos lugares estavam convidando diversos artistas que não possuem nenhum vínculo com o esporte para serem condutores. Pelo menos em São José dos Campos fiquei mais tranquilo ao saber que os convidados da prefeitura eram de fato atletas amadores e ex-atletas olímpicos, como a nadadora Fabíola Molina.

Eu já estava completamente desencanado com essa história de Revezamento da Tocha quando chegou na véspera do dia. Eis que na noite anterior meu telefone toca com um número desconhecido. Atendo e perguntam pelo meu nome. E o rapaz me pergunta se eu ainda tinha interesse em ser condutor da Tocha Olímpica. Pelo visto ele estava ligando para as pessoas selecionadas para confirmar a participação e deve ter tido alguma desistência, ou pode não ter conseguido o contato de alguém. Então estavam passando os nomes da lista de espera para preencher as vagas remanescentes. O único detalhe é que eu teria que me deslocar até a cidade vizinha de Jacareí para participar, pois as vagas em São José já estavam todas preenchidas. Aceitei então o convite de última hora e no dia seguinte parti para Jacareí logo após o almoço.

Cheguei na prefeitura de Jacareí, ponto de encontro designado, logo após o almoço. Eu não conhecia nada por ali, mas achei o lugar simpático. Pouco após chegar e encontrar os demais condutores, recebemos algumas instruções sobre como proceder e ganhamos nossos uniformes e as tochas. Deu pra perceber uma preocupação muito grande dos organizadores para que todos os condutores se sentissem absolutamente confortáveis e principalmente felizes com o momento. E mais que isso, que eles pudessem contagiar o público nas ruas com essa alegria. Afinal, este é o grande objetivo do evento do revezamento da chama olímpica: levar um pouco do espírito olímpico a todo o público. Principalmente àqueles que não irão poder comparecer aos Jogos.

A tocha estava um pouco atrasada (estava sendo realizado o revezamento em 4 cidades naquele dia, sendo Jacareí a terceira) mas logo todos nós condutores fomos conduzidos a um micro-ônibus. Cada condutor recebeu uma numeração, e fomos convidados a nos apresentar para os demais condutores contando um pouco de nós mesmos. O que mais me chamou a atenção foi a quantidade de jovens, alguns até menores de 18 anos (a idade mínima para ser condutor da tocha era de 16 anos) que estavam ali por serem jovens atletas que representam a cidade de Jacareí em competições juvenis.

Logo o ônibus saiu da prefeitura e foi fazendo paradas para que os condutores fossem descendo um após o outro. Fui o penúltimo a descer, e fiquei ali sozinho em uma simpática rua da cidade esperando a minha vez chegar. Não havia ninguém da organização por perto. Mas não demorou para que começassem a aparecer os curiosos. Logo vieram me perguntar se eu era condutor, se aquela tocha era de verdade, e principalmente se poderiam tirar foto comigo. Por um momento me senti uma celebridade. Mas claro que eu continuava sendo apenas um anônimo. Para aquelas pessoas eu era apenas "o cara da tocha". Mas foi muito legal ver as pessoas querendo tirar foto do lado da tocha, ou então com a tocha posicionada em algum lugar específico (por exemplo na frente do bandeirão de um clube sediado por ali). As mães pedindo para os filhos se aproximarem para verem a tocha de perto e tirarem foto. Ou o garoto na foto abaixo aproveitando para tirar uma selfie. E o mais gratificante de tudo era ver a alegria estampada na cara de todos (principalmente das crianças) apenas porque estavam tendo a chance de tirar uma foto com a tocha olímpica tão de perto.


Em alguns minutos, vi os carros dos patrocinadores se aproximando e passando por mim, e finalmente a escolta da guarda nacional que trazia o condutor anterior com a tocha. Logo, um membro da guarda nacional me puxou para o meio da rua, abriu o gás da minha tocha e me posicionou de tal forma a receber a chama do condutor anterior. Era chegada a minha vez. A chama olímpica estava comigo. Cabia a mim a incumbência de carregá-la pelos próximos 200 metros e levá-la mais próxima da Olimpíada e das pessoas. Acho que me empolguei um pouco no começo e achei que estava em uma corrida de rua. De fato acho que saí correndo. Logo vi o fotógrafo que ia no carro da frente fazendo um sinal com a mão para eu reduzir o ritmo. Percebi isso e comecei a ir num trote muito mais leve. Mais ou menos na mesma hora chegamos a uma lombada, e um dos membros da guarda nacional me alertou para reduzir ainda mais. Vi também que o fotógrafo continuava fazendo o mesmo gesto, então imaginei que eu estava segurando a tocha muito em cima. Acabei baixando um pouco o braço e recebi um "jóinha" de volta. Olhei em volta, vi as pessoas felizes por estarem ali, aplaudindo a tocha. Acenei de volta e ainda soltei gritos de "Vai Brasil!" para algumas pessoas que estavam vestindo camisas da seleção. Eu também estava em um momento muito feliz por estar ali fazendo parte de tudo aquilo. Afinal, sempre gostei muito das Olimpíadas, principalmente por essa ideia de ver o esporte aproximando as pessoas e promovendo a paz entre os povos. Seria muito bom se hoje em dia fosse que nem era na Antiguidade, que todas as guerras e conflitos paravam durante 2 semanas para a Olimpíada. E o revezamento da tocha é o que há de mais simbólico nisso tudo, daí que eu estava realmente muito feliz com a oportunidade que me foi dada de fazer parte deste momento tão especial. Mas o que é bom dura pouco. Logo alcancei o próximo condutor, passei a chama olímpica adiante e fui conduzido de volta para o ônibus dos condutores. Entreguei minha tocha para a organização mas ainda tive oportunidade de tirar mais algumas fotos.

Como mencionei no começo do post, não se trata de uma história de uma corrida. Logo não posso encerrar este post com a foto de uma medalha. Deixo aqui então para finalizar a foto oficial do revezamento e também um certificado digital de condutor que recebi da organização. Eu até poderia ter adquirido uma tocha para recordação pessoal pela bagatela de aproximadamente 2 mil reais. Mas sinceramente, eu não fazia muita questão de guardar a tocha como recordação, mesmo sendo ela muito bonita. Além disso, o também belíssimo uniforme dos condutores para mim já é uma recordação pra lá de especial. Isso sem falar nas fotos, nos momentos, nas lembranças, que sempre marcarão esse dia para mim.